- O que eu espero senhores, é que depois de um razoável período de discussão, todos concordem comigo.
A conversa foi interrompida relampeantemente, por um estrondo sensível aos olhos. Não havia exaltação, havia o acúmulo dela. O que poderia ser pior? Fora extravazando o que podia, calmamente, num argumento sem bases, sem porquês, e por isso mesmo absolutamente plausível. O que é, não precisa explicar-se.
" - Mas isto é um ultraje! Como podeis dizer-nos que és detentor de tal conhecimento abrangente, sendo que és menos do que um fedelho recém-saído das tetas de tua mãe? " _ disse um dos velhos, o de cabelos mais grisalhos e ondulados, poucos fios e penteados milimetricamente para trás.
- Pois que é assim, não acreditam? Tentem viver-me então, cruzados dos tempos! "
" - Ora moleque! Sua inaptidão para o concurso da conversa não lhe saltou aos olhos inda? Já não vês que tua mácula aqui só faz aumentar? " Fora agora o homem do meio, o mais novo deles todos, portando uma bengala de mogno, um charuto marroquino. Palavras desferidas afiadas e provocadas. Deveria de ser um médico ascendente...
- Parecem que se esquecem, que se perdoam e que absolvem suas lembranças do tempo em que eram ainda como eu, um fedelho recém-saído das tetas da mãe, mas que sabia mais do que aqueles que não viam tetas à tempos! _ e o rapazote, calcanhado em meros quinze anos, havia finalmente despertado olhares revirados e avermelhidos._ Não veem? Não sentem mais? Suas vias de sensibilidade foram obstruídas, todas? Sendo assim, dar-lhes-ei costas e um ponto final em tal questão: Quem não é bom, não deve conviver, com quem for.
Senhores de boa vida, de vida boníssima, de vida fácil e bem vivida. Haviam visto tudo o que poderiam ter visto e, por isso, só conheceram aquilo que lhes foi possível de galgar conhecimento. Pois que é, eles não haviam sido menos. Eram todos, e sempre todos foram os melhores, os mais importantes e os mais interessantes em todos os grupos sociais e em todas as classes reinantes. Eles eram velhos, podres, ricos.
A questão fora a seguinte, antes que todos se confundam e se perguntem "o que é que acontece, afinal?":
Dois senhores, um vindo de uma direita, outro de uma esquerda, se encontram e se cumprimentam cordialmente de frente a um "venicultatasse", ou vinícola hoje em dia, com a simples finalidade de servir doses de vinho das mais variadas classes, para homens capazes de experimentá-los sem enlouquecerem-se pela luxúria. Claro, já eram todos caídinhos pela luxúria, inclusive os dois alí.
O que os avistava, desdenhoso, porém, não tinha quedas pela amiga dos homens-animais. E por isso, havia se tornado sovino, arrogante (mais do que os outros todos), claramente um porco quanto ao respeito por pessoas. Mas, era um médico, e era menos velhaco do que os dois ali, parados, conversando sobre a luz do dia e a saborosa fragância dos vinhos.
E todos, podres, de rico.
" - Que Deus os alumie, boa tarde..."
" - E era justamente da pessoa do senhor que precisávamos, doutor. O que nos diz, quanto ao fato do homem bom conviver com todos, e o ruim conviver consigo mesmo? Ou, para mim, com ninguém! "_ seus olhos vermelhos pelo cansaço do trabalho, das noites mal dormidas pelo excesso de remédios e de livros o faziam perder a pouca lucides nas faces.
" - Homens não são bons, ou são maus. Homens são homens, todos os homens são puros e indistinguíveis ante o mundo, até que o mundo lhe injeta o que se pode chamar de vida, como a conhecemos. A vida faz mal ao Homem. "
Os dois senhores se entreolham por dois segundos ou menos, quando o mais velho:
" - Meu caro: não digo que pelas olheras, ou pelas linhas avermelhidas que saltam das tuas órbitas, mas sim pelas palavras tuas que estás cansado! Sua resposta não responde à nossa pergunta, oras! Larga dos teus charutos e vá-te descansar a carga! _ disse-lhe, com aquele sorrisinho desdenhoso-socialmente-aceitável, palpável somente aos seres de vida social inócua.
" - Ahn... então, que me desculpem os senhores, mas poderiam dar-me licença então para poder descansar a minha carga enfadonha? "_o tom comum e grosso de quem não se importa, mesmo tendo uma opinião fixada na testa.
Dá um meio giro de pés de quem não espera respostas e, puxado pela barra das vestes ele é parado por um jovem sujo e fedorento.
- Moço, dá-me um trocado? Eu limpo teus sapatos! Olha cá, graxa da Germânia, verdadeira! O serviço é rápido e...
" - Passe reto, filhote de nojo! Tuas mãos não deveriam sequer pensar em sentir meu mais pobre casaco de couro, quanto mais tocá-lo! Corre daqui que não te dou um tasco, pois sou doutor e bondoso! "
- Perdoe o atrevimento! É a fome que é grande, e maior a minha vontade de ver-me livre dela! Sou bom no que faço, e vendo tão bondoso e médico senhor espero poder deixá-lo mais formoso do que já és aos olhos das damas...
Os velhos atrás dele lhe chegam, e um deles bate nas costas, chamando:
" - Larga mão de pomposidade! És homem de virtudes, ou desvirtuamentos, han? Sentemo-nos ali naquela mesa e peçamos vinhos para nós, e um banco tosco para o moleque lhe limpar os sapatos enquanto falamos do Homem, e enquanto esse moleque nojento lhe deixa, mais formoso aos olhos das damas... "_uma vez mais, o sorrisinho desdenhoso-socialmente-aceitável...
Se havia algo que não admitia, era a palavra moleque conjunta com ele. Não era mais moleque, disso se sentia certo, preciso como a agulha de sua mãe nas roupas caras, dos homens ricos, podres. Mãos calejadas aqueles que seguravam tão importantes fios de metal. (...)
Foi só uma idéia, uma vontade loucamente consumível de escrever algo, "grande", como um capítulo. É, não ficou bonito, mas foi um início, e inícios tem de ser feios.
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