A situação foi mais ou menos assim:
ele entrou na casa, olhou pros lados e não viu ninguem. Foi lavar seu rosto cansado, escovar seus dentes não muito brancos e descontraíu o corpo com uma bocejada das 9 da manhã de férias.
Preparou seu café, torrou seus pães, seus amados e gostosos pães, comeu, fartou-se e lavou tudo. Cama arrumada, quarto arrejado e bem organizado, como ele mesmo gosta e faz questão.
Começa a ficar forte a vontade, a vontade de reparar os danos, a vontade de apagar o que seu lado ruim fez. Ele, bobo e inocente, liga o aparelho maldito, conecta-se, e espera. Brinca ali, conversa frivolamente aqui, fala com todos mas não diz nada. Ele procura segurar suas palavras mais simples e verdadeiras. Oh! aparece a pessoa esperada. E ele percebe que é um escravo do maldio aparelho. Por segundos, ele fica triste, percebendo tambem que não teve coragem de falar antes, ou mesmo que não teve vontade suficiente. Percebe tambem que não utilizou outro aparelho maldito, mas não tanto, e não telefona. Porém o que mais o afunda é o fato de não poder comunicar o que gostaria ao bom e velho modo: o cara-a-cara.
Bem, ele larga de mão tudo isso, afinal, é inútil agora. Vê um vídeo marcado pela pessoa e passa a ter lembranças gostosas de um lugar frio e humilde. Lembra também de uma pequena e dócil criancinha, de cabelos pretos e brilhosos, como óleo, e sedosos, e gostosos, como só os dela poderiam ser! A indiazinha, sua prima. Também larga mão desses pensamentos e passa a tentar focar-se no que veio fazer. Diz algo sobre sua prima e, espera anciosamente pela resposta. É, espera, como uma criança espera pelo tapa da mãe quando faz bagunça. Ele só não queria ter bagunçado mais aquele coração.
SLAP! Tapa tomado. Ele segura bem nas bases, admite de antemão que era de merecimento. Desatina a bordar com palavras a sua camisa de força, e a produzir os fios de sua corda de morte. Tais palavras deveriam ser algo bom, mas acabaram lhe causando um profundo pesar. Um peso grande se instala em seu peito e ele se sente afundando, caindo e profundo parafuso. A tela começa a tremer e ele não entende o que acontece com o seu corpo e os seus sentidos. Se acha um fraco, um fresco, um bobo inocente, por passar por toda aquela situação.
Recebe tambem outras bofetadas, já quase de punhos fechados. Essas, ele ficou na dúvida se merecia ou não. Mas no final, seu lado bom falou mais alto e gritou que era preciso, o outro precisava daquilo ainda. Vai ver era seu lado ruim dando uma volta.
O que ele não aguentou, foi a poderosa e indefensável facada. A poderosa matadora. Essa, que em uma relação onde os corações estão ligados por um fino fio de amor, amor esse incalculável, se torna a mais destruidora das armas. A indiferença. E como ela é forte nele!
Aliada a raiva, ao medo e a imaturidade, esse fio foi rompido e, pobre deles, um deles morreu. Disse algumas últimas palavras de desespero e, esperou sua amiga Morte vir pegá-lo. Ele tentou puxar lembraças felizes, dos momentos mais brilhantes de sua vida. Mesmo assim, ele continuou ali, no fundo, no fundo do seu poço pessoal. O seu buraco solitário.
Deu as costas ao maldito, e via, mesmo sem ver com os olhos, o que o outro estaria fazendo. Sentiu nos ossos o que o outro estava sentindo por ele, sentiu na carne o que era a dor da perda. Vieram a raiva e a dor, depois ciúme e paranóia. Logo chegou também o pesar e o Grande Medo. Estava escuro, frio, frio, frio... e ele quis apagar. Não era a morte a quem ele chamava, mas a vida. Ele queria apagar-se e reescrever-se. Mas ele conhece o efeito do bater de asas de uma borboleta.
Ele ainda não está recuperado, e passa em branco o dia. Assimila de modo voraz matérias de colégio, antes impossíveis. Entende que tudo isso o estava, desde já, tão cedo, tornando-o mais forte.
Talvez essa seja a sua Quarta Chaga:
Tão forte e tão fraco;
tão inteligente e tão ignorante;
tão amado e tão odiado;
tão lembrado, tão esquecido.
É a Loucura fazendo graça pra ele.
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