12 de agosto de 2009


Aqueço-me ao gole profundo de um café. Acalento-me ao contato inerente de uma folha de papel vazia, pré-cheia. Enterro-me no mundo multidão constante movimentante, movimentada, inconstante, das pessoas que caminham. Caminhar é uma dádiva, e uma dádiva é poder admirar dádivas ocorrendo.

Percebi como seria nulo o meu pensamento, o meu sentimento, o meu existir quanto ser, como pessoa, como qualquer-coisa-que-acha-que-existe. Seria, porque quem me vê não me enxerga. Quem me vê só se procura aqui, nunca se deixando perder. É triste, é bom. É bom porque é triste, e triste porque só eu me garanto em ver como é bom.

Tive contato, acho, que o único contato que me permiti ter com alguem em um âmbito, seja qual fosse. Aliás, já não me recordo da última vez em que tentei fingir ser eu mesmo. Não sei nada do Eu. Acredito saber do que ele gosta, do que ele quer. E, como um fiel cristão, naquilo em que acredito religiosamente, tomo por real na minha realidade.

Uma mulher, quatro anos a mais do que um "sem qualificação etária", o que sou. Posto que sempre consegue-se dizer algo como "recém saído das fraldas" ou, "quase Homem". Enfim, tais designações grotescas que o mundo idolatra. Funcionária de livraria, corpulência frágil e meiga. Faces alongadas e delicadas, que me remeteram em uma visão inexistente da consciência de como são as bonecas de porcelana italiana. Voz cálida, ah!, voz de musa! Voz de ninar, de entorpecer, de desligar-me. Olhos envergonhados, a vergonha sutil de mulher que não é do mundo. Digna mulher para se viver entre livros. Livros, os invejo mais ainda agora.

Pena, eu não sou galanteador. Sou frio, direto, objetivamente direto ao frio ponto da questão. Não me contemplo nem em pensamentos conseguir fluir-me de mim para alguém. Seria invasão. Seria perda e dano. Dano, de não ser correspondido talvez (é o medo do desconhecido). Perda, nem explicar é preciso. E quando não sou assim, sinto que não fui nada, so uma brisa quente que passou e fez os cabelos de outrem esvoaçarem graciosamente. Se experimentei de verdade ser um homem de galanteios, não o percebi. Certamente, não percebi, se houve-me.

Ela, muito solícita, além do normal (notei logo quando na quarta ou quinta frase ela já havia me dado horário de saída do trabalho e local onde mora, sem eu ao menos questionar-lhe qualquer coisa), assedia e desconjuntura todas as pilhas e pilhas de livros vís, os desgraçados pocket books , pois só assim ela acreditou poder encontrar "Carta ao pai", de Kafka.

Enfim, abri a boca na tentativa solene e ambigua de dizer algo recíproco às tentivas dela. Ah, e o que sai... o que de mim é arrancado. Não, o que em mim é forjado, depois banhado em ouro, e nela arremessado com a força de mil insetos. Sim, palavras tórridas, encolhidas e de tom pueril. Minha grande sorte foi ela não ter-me entendido nas frases, só ter percebido os sons. Tive tempo para reformular o que havia dito e redizer algo que, de fato, eu não havia dito.

Bem, a falha vitoriosa se sucedeu. Anulei mentalmente qualquer tentativa dela para comigo e, ao fina, despedi-me com um bom aperto de mão educado. Sou educado, minha mãe me humilhou o suficiente para que eu assim pudesse ser. Ela, notoriamente percebe e de mim se afasta sem mais nada dizer. Não pude reclamar de sua atitude, que não também não deve ser adjetivada por mim. Eu fui frio. Frieza é argumento inviolável para receber-se qualquer ato, palavra ou o quais possa vir, a qualquer momento.

Caminho passos de quem corre da sombra, vou-me ao caixa, desbanco quarenta e quatro reais e ainda me dou ao luxo de rondar olhos pela loja, procurando a moça.
Ela sumiu.
E eu nunca apareci.

Se, e somente se algum dia um filho eu tiver, e espero ter dois, apenas lhe desejarei que ame, que ame tão loucamente quem quer que seja, que lhe seja digna a morte.




Um bom dia para se perceber que a vida é amor.






Não entendo... ele narra algo triste e diz que "a vida é amor"? Quanto amor, meu caro, quanto amor...

Um comentário:

  1. Passei a invejar a tua capacidade de escrever, em pouquíssimo tempo teus textos ganharam uma complexidade e uma beleza inenarráveis. Parabéns.

    ResponderExcluir